O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Receita Federal do Brasil que deixe de negar a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de veículos por pessoas com deficiência (PCDs), inclusive pessoas com transtorno do espectro autista (TEA), quando não houver restrições específicas na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
A recomendação foi encaminhada ao secretário especial da Receita Federal, Robinson Sakiyama Barreirinhas, após procedimento instaurado pelo MPF para apurar indeferimentos considerados ilegais. O órgão concedeu prazo de 30 dias para que a Receita informe as medidas adotadas ou apresente justificativa em caso de não acatamento.
A apuração teve início após denúncia de uma pessoa diagnosticada com TEA, que teve a isenção de IPI negada, apesar de o transtorno do espectro autista ser reconhecido como deficiência desde 2012, nos termos da Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana).
Segundo o MPF, a Lei nº 8.989/1995, que regula a isenção de IPI para pessoas com deficiência, exige apenas a comprovação da deficiência, não havendo qualquer previsão legal que condicione o benefício à existência de restrições na CNH.
CNH sem restrições não pode impedir a isenção de IPI
Para o Ministério Público Federal, a prática da Receita Federal de utilizar a CNH sem restrições como critério automático para negar a isenção de IPI para PCD cria exigência não prevista em lei, violando o princípio da legalidade estrita que rege a administração pública.
O MPF ressalta que a administração tributária não pode criar requisitos inexistentes para restringir direitos fiscais. A negativa automática compromete a finalidade do benefício, que é ampliar a autonomia, a mobilidade e a inclusão social das pessoas com deficiência.
Avaliação deve seguir o modelo biopsicossocial
A recomendação destaca que a análise da isenção de IPI deve observar o modelo biopsicossocial de avaliação da deficiência, previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Esse modelo considera que a deficiência decorre da interação entre impedimentos de longo prazo e barreiras sociais, e não apenas da capacidade individual para determinadas atividades. Assim, o simples fato de o contribuinte possuir CNH sem restrições não afasta a condição de pessoa com deficiência, inclusive nos casos de TEA.
O MPF enfatiza que o transtorno do espectro autista, em todas as suas manifestações, se enquadra no conceito legal de deficiência, independentemente do grau de autonomia funcional do indivíduo.
Entendimento do STJ reforça a ilegalidade da negativa
O Ministério Público Federal também citou entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 2.185.814/RS, no qual ficou expressamente consignado que a Lei nº 8.989/1995 não exige restrições na CNH como requisito para concessão da isenção de IPI.
Segundo o STJ, a administração pública deve aplicar a norma conforme sua finalidade inclusiva, sendo vedada a criação de critérios administrativos restritivos que não estejam previstos em lei.
Receita Federal deverá revisar procedimentos internos
Diante desse cenário, o MPF recomendou que a Receita Federal revise seus procedimentos administrativos e sistemas eletrônicos, assegurando que os pedidos de isenção de IPI para pessoas com deficiência e autistas sejam analisados conforme a legislação vigente.
Caso a recomendação seja acolhida, a medida poderá beneficiar milhares de PCDs e pessoas com TEA, reduzindo indeferimentos indevidos e a judicialização do tema.
