A Justiça Federal confirmou o direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição para um trabalhador rural que começou a trabalhar ainda criança, antes dos 12 anos de idade.
A decisão foi tomada por unanimidade pela 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), que entendeu que o homem comprovou o trabalho na lavoura desde os 10 anos, em regime de economia familiar.
O caso é importante porque reafirma que o trabalho infantil rural, quando devidamente comprovado, pode contar para fins de aposentadoria, evitando que o trabalhador seja prejudicado duas vezes, primeiro pela infância perdida e depois pela negativa do tempo de contribuição.
Entenda o caso
O trabalhador havia pedido ao INSS o reconhecimento do tempo de serviço rural exercido entre 23 de maio de 1968 e 1º de abril de 1979, período que incluía anos em que ele ainda não tinha 12 anos de idade.
O pedido foi negado administrativamente, com o argumento de que a lei não permite o cômputo de tempo de trabalho infantil para fins previdenciários.
Após recorrer à Justiça Federal, a 1ª Vara Federal de São Vicente/SP deu razão ao segurado e determinou ao INSS que implantasse o benefício de aposentadoria integral.
O INSS recorreu ao TRF3, pedindo que fosse anulado o reconhecimento do trabalho realizado entre 1968 e 1970, justamente o período anterior aos 12 anos.
O que decidiu o TRF3?
Ao analisar o caso, o desembargador federal Maurício Kato, relator do processo, manteve a sentença e reconheceu o direito do trabalhador.
Segundo ele, havia provas documentais e testemunhais robustas que confirmavam o trabalho desde a infância na lavoura da família.
“Negar o reconhecimento desse tempo seria impor uma dupla penalização: a perda da infância e a exclusão desse período para fins de aposentadoria”, destacou o magistrado.
As provas apresentadas
O autor apresentou diversos documentos que comprovaram sua atuação na agricultura familiar, incluindo:
Certidões e registros do Incra em nome dos pais;
Certidão escolar que demonstrava frequência em escola rural;
Certidões que comprovavam a profissão de agricultor do pai e do próprio autor;
E depoimentos de testemunhas, que relataram que o segurado ajudava os pais na lavoura desde pequeno, usando ferramentas adaptadas à idade e conciliando os estudos com o trabalho.
As testemunhas também afirmaram que, após a morte do pai, o trabalhador assumiu maiores responsabilidades na propriedade, reforçando a continuidade do trabalho no campo.
Fundamentos legais e precedentes
O relator destacou que a proibição ao trabalho infantil prevista na Constituição tem caráter de proteção, e não pode ser usada para negar direitos previdenciários a quem foi obrigado a trabalhar desde cedo.
A decisão também se baseou em entendimentos firmados em instâncias superiores, como:
O Tema 219 da Turma Nacional de Uniformização (TNU), que reconhece a possibilidade de contabilizar o trabalho rural antes dos 12 anos;
E a Ação Civil Pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100, que consolidou esse direito com validade em todo o território nacional.
Resultado final
Com base nas provas e na jurisprudência, o TRF3 manteve a sentença integralmente, garantindo ao trabalhador:
O reconhecimento do tempo rural entre 1968 e 1979, inclusive antes dos 12 anos;
O direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição;
E o pagamento retroativo desde o requerimento administrativo, feito em 24 de outubro de 2018.
O que essa decisão representa?
Essa decisão reforça um entendimento importante:
trabalhadores rurais que começaram a trabalhar ainda na infância não podem ser prejudicados pela falta de escolha.
Se comprovarem o vínculo familiar e a atuação na lavoura, esse tempo pode e deve contar para a aposentadoria.
“A Constituição protege a criança contra o trabalho precoce, mas não deve ser usada para negar um direito a quem já teve a infância sacrificada pela necessidade de sobreviver”, ressaltou o desembargador Kato.
