Muita gente escuta a frase “você perdeu o prazo, não tem mais jeito” depois que o INSS nega, cancela ou corta um benefício.
Isso gera medo, desânimo e faz muitos segurados desistirem de procurar seus direitos.
A boa notícia é que o Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento do Supremo Tribunal Federal, confirmou que o segurado pode discutir na Justiça a negativa, o cancelamento ou a cessação de um benefício, mesmo depois de muito tempo. O que se limita no tempo é a cobrança das parcelas atrasadas, não o direito de pedir o benefício em si.
Neste artigo vou explicar, em linguagem simples, como essa decisão funciona na prática para você que é segurado do INSS.
O que aconteceu no caso analisado pelo STJ?
A Primeira Turma do STJ julgou um processo em que um segurado teve o auxílio doença encerrado em 2012. Ele só entrou na Justiça em 2019. Pediu duas coisas.
- Que o auxílio doença fosse restabelecido.
- Que esse benefício fosse transformado em aposentadoria por invalidez.
O INSS alegou basicamente duas teses.
- Que já teriam passado cinco anos para discutir o ato que cortou o benefício, com base no Decreto 20.910/1932.
- Que o segurado deveria ter feito um novo pedido administrativo, em vez de atacar a decisão antiga.
A Primeira Turma rejeitou esses argumentos. Aplicou o que o STF decidiu na ADI 6.096 e afirmou que não existe prazo final para discutir, em juízo, o ato do INSS que nega, cancela ou cessa um benefício previdenciário. 
O que o STF decidiu na ADI 6.096 e por que isso protege o segurado?
Em 2019, uma lei tentou colocar prazo decadencial de dez anos também para revisar decisões do INSS que negavam ou cortavam benefícios. Essa alteração foi feita no artigo 103 da Lei 8.213/1991 pela Lei 13.846/2019. 
O STF analisou esse ponto na ADI 6.096 e declarou que é inconstitucional impor prazo decadencial para revisar atos de indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício previdenciário.
A Corte entendeu que isso violava o direito fundamental à previdência social, previsto no artigo 6º da Constituição. 
Em resumo, o STF afirmou.
- Quando o INSS nega ou corta o benefício, está negando o próprio direito de o segurado receber aquela proteção.
- Se a lei impedisse a rediscussão dessa negativa apenas pelo decurso do tempo, o direito material à previdência seria esvaziado.
Depois dessa decisão, o STJ passou a ajustar sua jurisprudência. Em julgados como o AgInt no REsp 1.590.354 e, mais recentemente, no AgInt no REsp 1.976.358/SP, a Corte passou a afirmar que não há prazo decadencial nem prescricional para discutir, em juízo, a negativa, o cancelamento ou a cessação de benefício.
A limitação atinge apenas as parcelas vencidas, que se submetem à prescrição de cinco anos.
Para você, segurado: o que essa decisão significa na prática?
1. Você pode discutir a negativa ou o corte do benefício a qualquer tempo
Se o INSS negou sua aposentadoria, seu auxílio por incapacidade, seu benefício assistencial, ou cortou um benefício que você recebia, você não perde o direito de discutir essa decisão na Justiça só porque se passaram cinco ou dez anos.
O que o STF e o STJ afirmam é que o “fundo de direito”, isto é, o direito básico ao benefício, não se extingue pelo decurso do tempo nesses casos. 
2. O limite está nas parcelas atrasadas
Embora o direito de pedir o benefício permaneça, as parcelas que venceram há mais de cinco anos antes da ação judicial, em regra, não podem ser cobradas.
Aplica-se aqui a chamada prescrição quinquenal das prestações, que o STJ aplica há muito tempo, resumida na Súmula 85. 
Exemplo simples.
- O benefício foi cortado em 2012.
- A ação judicial foi proposta em 2020.
O juiz pode reconhecer que o benefício era devido desde 2012. Porém, na hora de cobrar os valores atrasados, em regra só serão pagos os cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.
As parcelas de 2012 até 2015, aproximadamente, ficam prescritas.
3. Não é obrigatório fazer novo pedido no INSS para “recomeçar o prazo”
Muitos segurados são orientados a protocolar novo pedido administrativo de benefício, mesmo depois de uma negativa antiga, apenas para tentar “reiniciar” algum prazo.
O STF deixou claro que não se pode exigir novo requerimento só para permitir que o segurado discuta em juízo a negativa anterior. O STJ, aplicando esse entendimento, afastou essa exigência no caso analisado. 
Isso não significa que um novo pedido nunca seja útil. Em algumas situações, especialmente quando há fato novo ou período de contribuição posterior, pode ser interessante. Porém, do ponto de vista do direito de acessar o Judiciário, o segurado não está impedido de ajuizar a ação apenas porque não fez novo requerimento.
Como funciona o prazo para ação contra indeferimento de benefício do INSS?
É importante separar duas situações diferentes.
- Revisão de benefício que já foi concedido.
- Discussão de benefício que foi negado, cancelado ou cortado.
Na revisão de benefício já concedido, continua existindo prazo decadencial de dez anos, em regra contado do primeiro pagamento. Nesses casos, o que se discute normalmente é valor, cálculo ou algum detalhe da concessão. 
Quando o benefício foi negado, cancelado ou cessado, o que se discute é se o segurado tinha ou não direito àquela proteção. Segundo a doutrina previdenciária recente, essa é uma situação diferente, pois envolve a própria existência do direito à cobertura previdenciária.
Por isso, o fundo de direito é considerado imprescritível nesses casos, embora as parcelas vencidas continuem sujeitas à prescrição quinquenal.
Quando vale a pena entrar com ação mesmo depois de muitos anos?
Para o segurado, algumas situações são especialmente relevantes.
- Benefício por incapacidade negado ou cessado, embora a incapacidade já existisse na época.
- Aposentadoria negada por suposta falta de tempo de contribuição, quando existiam vínculos ou contribuições que o INSS não reconheceu.
- Benefício assistencial (BPC) indeferido, apesar de a família já se encontrar em situação de vulnerabilidade econômica na época do requerimento.
Nesses casos, mesmo que já tenham se passado vários anos, é possível pedir ao Judiciário que reconheça que o benefício deveria ter sido concedido naquela época. O reconhecimento do direito pode, inclusive, facilitar o acesso a outros benefícios, revisões e contagens de tempo no futuro. 
Passo a passo básico para o segurado organizar o caso
1 – Reúna toda a documentação
Junte carta de indeferimento, extrato do processo no Meu INSS, laudos médicos, exames, carteira de trabalho, carnês, contratos de trabalho, decisões de auxílio doença anterior e qualquer outro documento que mostre a situação na época da negativa ou do corte.
2 – Verifique a data exata da negativa, cancelamento ou cessação
Essa data será importante para delimitar a partir de quando o benefício era devido e para calcular as parcelas que ainda podem ser cobradas, considerando a prescrição quinquenal.
3 – Analise se havia direito ao benefício naquela época
O ponto central é demonstrar que, já na data da negativa ou da cessação, o segurado preenchia os requisitos legais, por exemplo, qualidade de segurado, carência, tempo de contribuição, incapacidade ou situação de miserabilidade. 
4 – Busque orientação técnica especializada
Embora a discussão jurídica tenha ficado mais favorável ao segurado, a análise de cada caso é individual. Um profissional que atue em Direito Previdenciário poderá organizar os documentos, montar a linha do tempo e escolher a melhor estratégia, seja ação judicial direta ou, em alguns casos, novo pedido administrativo.
5 – Avalie o impacto da prescrição das parcelas
Mesmo que o direito ao benefício seja reconhecido, o segurado pode perder valores antigos se demorar muito para ingressar em juízo. Por isso, não é recomendável confiar apenas na ideia de que “não há prazo” e adiar indefinidamente a tomada de decisão. 
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Portanto, o tempo não destrói seu direito, mas pode reduzir o que você recebe
A posição firmada pelo STF e aplicada pelo STJ traz uma proteção importante para o segurado.
Quem teve benefício negado, cancelado ou cessado pelo INSS não perde o direito de discutir essa decisão na Justiça apenas porque o tempo passou.
Por outro lado, as parcelas antigas podem ficar irrecuperáveis por causa da prescrição de cinco anos.
Isso significa que o segurado não precisa ter medo de entrar com ação “tarde demais”, mas também não deve esperar sem necessidade, pois cada ano que passa pode significar perda de valores importantes.
Em dúvida, o caminho mais seguro é guardar seus documentos, procurar orientação especializada e tomar uma decisão informada, com base nas regras atuais e nas decisões dos tribunais superiores.
