A Súmula 17 da Turma Nacional de Uniformização (TNU) trata de um detalhe que parece apenas processual, mas tem impacto direto em milhares de ações previdenciárias que correm no Juizado Especial Federal, inclusive contra o INSS.
Ela esclarece que, no âmbito do Juizado Especial Federal, não existe renúncia tácita para fins de competência. Isso significa que o segurado não perde automaticamente a parte do seu direito que ultrapassa o limite de sessenta salários mínimos, apenas porque decidiu ajuizar a ação no JEF. A renúncia, se houver, precisa ser expressa.
A seguir, você vai entender, em linguagem simples, o que isso quer dizer, por que essa súmula foi criada e como isso afeta, na prática, quem entra com ação previdenciária.
O que diz a Súmula 17 da TNU?
O enunciado é curto e direto: “Não há renúncia tácita no Juizado Especial Federal, para fins de competência.”
Traduzindo para o dia a dia:
No Juizado Especial Federal, o fato de a pessoa propor uma ação com valor acima de sessenta salários mínimos não significa, sozinho, que ela aceitou perder automaticamente o que ultrapassar esse limite.
Se o segurado quiser realmente limitar o pedido ao teto do JEF, ele precisa declarar isso de forma clara, por escrito.
A súmula foi aprovada pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que é o órgão responsável por padronizar a interpretação da lei federal nos Juizados Especiais de todo o país.
Por que essa discussão é importante no Juizado Especial Federal?
A Lei 10.259/2001 criou o Juizado Especial Federal (JEF) e fixou que ele só julga causas de até sessenta salários mínimos. Além disso, a lei diz que, onde existir Vara do Juizado Especial Federal, a competência é absoluta para esse tipo de causa.
De forma simples:
Causas de até sessenta salários mínimos devem ir para o JEF.
Causas acima desse valor vão para a Justiça Federal comum.
O problema é que, em alguns casos, o valor real do direito do segurado pode ser maior que sessenta salários mínimos. E, por muito tempo, discutiu-se o seguinte:
Se a pessoa entra com ação no JEF pedindo um valor maior que o limite, isso é uma renúncia implícita ao que passa de sessenta salários mínimos
ouÉ preciso que o segurado diga claramente que aceita receber apenas até o limite, renunciando ao restante
A Súmula 17 da TNU adotou a segunda visão. Assim, não é possível presumir renúncia. A escolha de ir ao JEF, sozinha, não corta automaticamente o valor do direito acima do teto.
Renúncia tácita no Juizado Estadual e no Juizado Federal: não é a mesma coisa
A confusão aumenta porque, no Juizado Especial Estadual (regido pela Lei 9.099/1995), existe regra que considera que, ao optar pelo Juizado, o autor renuncia ao valor que excede o limite, salvo em casos de acordo.
Já no Juizado Especial Federal, a lógica é outra:
A lei federal que criou os JEFs determinou competência absoluta, sem dar ao autor a simples opção entre rito comum e Juizado.
Por isso, a TNU entendeu que não dá para presumir renúncia.
Se o segurado quiser realmente abrir mão de parte do valor para ficar dentro do limite do JEF, essa renúncia precisa ser expressa, ou seja, escrita de forma clara na petição inicial ou em manifestação específica.
Essa interpretação tem também uma dimensão de proteção ao hipossuficiente. Muitas pessoas que procuram o Juizado não têm clareza sobre o valor exato do direito, nem sobre o impacto de uma renúncia. Exigir uma manifestação clara evita que o cidadão perca parte do crédito sem perceber.
Qual é o limite de valor no Juizado Especial Federal?
O Juizado Especial Federal julga ações de competência da Justiça Federal de até sessenta salários mínimos, exceto algumas matérias específicas que a lei exclui.
Isso vale, por exemplo, para:
Ações contra o INSS, como pedidos de aposentadoria, auxílio por incapacidade, BPC/LOAS e revisões de benefícios
Ações contra outros órgãos federais, respeitadas as regras próprias
Se o valor da causa superar esse limite e o segurado não renunciar expressamente ao excedente, a competência do JEF não se estabelece validamente. Em tese, o juiz pode:
intimar o autor para esclarecer se renuncia ou não ao que passa do teto
extinguir o processo sem julgamento do mérito, se não houver renúncia e a causa realmente ultrapassar o limite
Por isso, a súmula também orienta a prática dos juízes e evita decisões desencontradas.
O que a Súmula 17 muda na prática para o segurado do INSS?
Para quem busca benefícios previdenciários ou assistenciais contra o INSS, a Súmula 17 traz alguns efeitos práticos importantes:
Segurança sobre o valor do direito
Entrar com ação no Juizado Especial Federal não significa, automaticamente, que você aceitou reduzir o valor daquilo que tem direito.Exigência de renúncia clara
Se o advogado recomendar renunciar ao valor que excede sessenta salários mínimos para manter a ação no JEF, isso precisa constar de forma expressa na petição, com linguagem que demonstre a intenção de abrir mão da parte excedente.Escolha consciente entre rapidez e valor integral
O Juizado costuma ser mais rápido e simples. Porém, em algumas situações, o valor em discussão pode ultrapassar, com folga, o limite.
Nesses casos, o segurado precisa decidir, com orientação técnica:se prefere demorar mais, mas discutir o valor integral na Justiça Federal comum
ou se aceita limitar o pedido ao teto dos sessenta salários mínimos, formalizando essa renúncia, para permanecer no JEF
Proteção contra prejuízos ocultos
A Súmula 17 ajuda a impedir que o segurado perca parte do crédito sem perceber, apenas por ter acionado o Juizado. Isso reforça o caráter de acesso à Justiça com proteção ao mais vulnerável, que é uma das ideias centrais dos Juizados Especiais.
O que advogados previdenciários devem observar?
Quem atua em Direito Previdenciário nos Juizados Especiais Federais precisa ter atenção a alguns pontos:
Avaliar com cuidado o valor da causa e da pretensão economicamente considerada
Decidir, com o cliente, se é o caso de renúncia expressa ao que excede sessenta salários mínimos ou se é melhor ingressar na Justiça Federal comum
Redigir a renúncia de forma inequívoca, quando for essa a estratégia, deixando claro que o autor tem ciência do que está abrindo mão
Atentar para decisões recentes que citam a Súmula 17 da TNU e reforçam a necessidade de renúncia expressa, inclusive em pareceres da PGFN, que aplicam o enunciado ao analisar a competência dos Juizados.
Além disso, é importante acompanhar a evolução da jurisprudência sobre:
limites da competência do JEF
efeitos da renúncia expressa
impacto da coisa julgada em ações ajuizadas com valor acima do teto
Esses temas continuam sendo discutidos em julgados recentes e em pareceres administrativos, como o Parecer SEI 12989/2022 do Ministério da Economia, que reafirma que não há renúncia tácita no Juizado Especial Federal para fins de competência.
Conclusão
A Súmula 17 da TNU é uma peça central para entender como funcionam as ações previdenciárias no Juizado Especial Federal.
Ela garante que não exista renúncia tácita ao valor que excede o limite de sessenta salários mínimos, protegendo o segurado de perder parte do seu direito sem saber. Ao mesmo tempo, exige do advogado um cuidado maior na definição do valor da causa e na escolha entre JEF e Justiça Federal comum.
Em resumo, a súmula reforça três ideias principais:
a competência do JEF é limitada pelo valor da causa
a renúncia, se houver, precisa ser clara e expressa
o segurado tem direito a uma escolha informada e consciente sobre a melhor estratégia para buscar o seu direito contra o INSS.
