O tempo de serviço rural prestado antes da Lei 8.213 de 1991 gera muitas dúvidas, principalmente quando o segurado deseja levar esse período para um regime próprio de previdência. A Turma Nacional de Uniformização consolidou esse tema no verbete 10, deixando claro que esse tempo pode ser aproveitado na contagem recíproca, mas somente se houver o pagamento das contribuições previdenciárias devidas.
Na prática, isso significa que o trabalho rural realizado antes de 1991 pode contar para uma futura aposentadoria no serviço público estatutário, porém o segurado precisa indenizar as contribuições daquele período.
O que diz a Súmula 10 da TNU?
O enunciado registra que:
O tempo de serviço rural anterior à vigência da Lei 8.213 de 1991 pode ser usado na contagem recíproca entre regimes, somando atividade rural ou urbana com o serviço público estatutário, desde que sejam recolhidas as respectivas contribuições previdenciárias.
Em outras palavras, o trabalho rural antigo:
pode contar para aposentadoria em regime próprio,
mas depende de indenização das contribuições, com os encargos previstos em lei.
O que é contagem recíproca?
A contagem recíproca é o mecanismo que permite:
somar tempo de contribuição do setor privado com
tempo de serviço público em regime próprio
para viabilizar uma única aposentadoria, com compensação financeira entre os regimes.
Exemplo típico:
a pessoa trabalhou anos como trabalhador rural ou empregado urbano no RGPS
migrou para cargo público efetivo em regime próprio
deseja que todo esse histórico conte para aposentadoria de servidor público
Para isso, o regime de origem precisa indemnizar financeiramente o regime de destino. Por isso, o tempo utilizado na contagem recíproca precisa ter contribuições efetivas.
Tempo rural antes de 1991. Qual era a lógica do sistema?
Antes da Constituição de 1988 e da Lei 8.213 de 1991, o trabalhador rural estava vinculado a um modelo de proteção mais assistencial, conhecido como Funrural.
Nesse sistema:
não havia contribuição mensal individual típica de regime contributivo
a família rural tinha direito a benefícios limitados, em geral uma aposentadoria por idade para o arrimo da família
não existia previsão de aposentadoria por tempo de serviço nem aposentadoria especial nos mesmos moldes urbanos
Como não havia contribuição individual normal, o legislador, ao criar a Lei 8.213 de 1991, precisou:
reconhecer o tempo rural antigo para não prejudicar quem já trabalhava no campo
ao mesmo tempo, organizar o custeio quando esse tempo fosse usado em outro regime previdenciário
O que diz o artigo 96, IV, da Lei 8.213 de 1991?
O artigo 96, inciso IV, estabelece que:
o tempo de serviço anterior à obrigatoriedade de filiação à Previdência Social
só pode ser contado, para certos fins, se houver indenização das contribuições correspondentes, com juros e multa, conforme a redação legal.
A essência desse dispositivo é simples:
se o tempo antigo não teve contribuição na época,
para ser usado em outro regime, precisa haver pagamento posterior das contribuições, com os encargos previstos.
A Súmula 10 aplicou exatamente essa lógica ao tempo rural anterior à Lei 8.213 de 1991.
Diferença entre usar o tempo rural no próprio RGPS e usar na contagem recíproca
A Lei 8.213 de 1991 permite o uso do tempo rural anterior para vários fins dentro do próprio Regime Geral, observadas algumas limitações.
De forma simplificada:
o tempo rural antigo pode contar para muitos benefícios no RGPS
mas não conta para carência, salvo regras específicas
e para uso em outro regime previdenciário, como RPPS, exige indenização das contribuições
A Súmula 10 reforça justamente essa diferença.
Resumindo:
para usar o tempo rural anterior a 1991 no próprio INSS, em muitos casos não se exige o pagamento das contribuições antigas
para levar esse mesmo tempo para um regime próprio, via contagem recíproca, é obrigatória a indenização das contribuições, com os acréscimos legais
Por que a indenização é exigida na contagem recíproca?
A contagem recíproca não é apenas um somatório de tempo, ela envolve também:
compensação financeira entre regimes, prevista na Constituição
equilíbrio atuarial e financeiro do sistema que vai conceder a aposentadoria
Se o tempo rural antigo fosse levado a um regime próprio sem contribuição:
o regime de destino teria de arcar com o benefício
sem receber recursos do regime de origem
quebrando a lógica da compensação entre regimes
Por isso, o entendimento consolidado é que:
o segurado pode, em tese, aproveitar todo o tempo rural anterior a 1991 em outro regime,
mas precisa indenizar as contribuições daquele período ao regime de origem, com juros e multa, conforme o artigo 96, IV, da Lei 8.213.
E quanto à constitucionalidade dessa exigência
A exigência de indenização foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, especialmente na ADI 1.664.
Na discussão:
houve análise sobre o caráter contributivo ou assistencial do sistema rural anterior
discutiu-se se seria correto exigir contribuição retroativa para aproveitar tempo antigo
Na decisão cautelar daquela ação:
o STF até chegou a considerar, em caráter provisório, pontos de possível inconstitucionalidade quanto a outras situações
mas não afastou a necessidade de prova de contribuição ou indenização para fins de contagem recíproca
A leitura que prevaleceu, e que está refletida na Súmula 10, é que:
a Constituição exige contribuição para fins de contagem recíproca entre regimes,
e a norma que exige indenização do tempo rural antigo não viola a Constituição, justamente porque garante a compensação financeira entre os sistemas.
Situação atual. Como o segurado deve agir
Na prática, para quem prestou atividade rural antes de 1991 e hoje está em regime próprio, ou pretende migrar:
é possível aproveitar o tempo rural antigo na contagem recíproca
é necessário comprovar o exercício do trabalho rural
é obrigatório indenizar as contribuições relativas ao período, com encargos previstos em lei
o valor dessa indenização é calculado pelo INSS com base nas regras atuais
O tema continua sendo relevante em pedidos administrativos e ações judiciais, mas o entendimento central permanece pacificado na Turma Nacional de Uniformização, à luz do que expressa o verbete 10.
