Na prática do dia a dia, muitos trabalhadores do campo acreditam que só terão direito à aposentadoria rural por idade se apresentarem documentos para cada ano do período de carência. Essa visão é equivocada. A jurisprudência previdenciária, especialmente no âmbito dos Juizados Especiais Federais, consolidou o entendimento de que o documento serve como base, e quem completa o quadro probatório é a prova testemunhal.
É justamente esse o sentido do entendimento consolidado pela Turma Nacional de Uniformização, que esclarece o papel do chamado início de prova material nas ações de aposentadoria por idade do segurado especial rural.
O que significa “início de prova material” na aposentadoria rural?
A expressão início de prova material descreve um tipo de prova documental indiciária. Não se trata de prova completa e absoluta, mas de um indício sério, que aponta para a condição de trabalhador rural e precisa ser confirmado por outros meios, em especial pela prova testemunhal.
Em termos práticos:
não é necessário que o documento comprove todo o período de trabalho rural
não se exige um documento para cada ano da carência
o que se pede é um suporte documental básico, que sirva de ponto de partida para o juiz analisar o conjunto das provas
Esse entendimento se harmoniza com a realidade do campo, onde é muito comum a informalidade e a falta de documentação em nome de todos os membros da família.
Relação com a Súmula 149 do STJ
Antes da consolidação da posição da TNU, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 149, já havia decidido que a prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar atividade rurícola para fins de benefício previdenciário.
Em resumo, de um lado:
não se admite apenas prova testemunhal, sem nenhum documento
Por outro lado, o entendimento atual deixou claro que:
não se exige que o documento comprove todo o período de carência
o documento funciona como sinal inicial, e a prova oral completa o quadro
Assim, o sistema probatório se organiza da seguinte forma:
o documento abre a porta, e os testemunhos idôneos, colhidos em audiência, preenchem as lacunas de tempo e de contexto.
O que a Turma Nacional de Uniformização deixou bem definido?
A TNU deixou claro que, nas ações de aposentadoria rural por idade, o documento apresentado pelo segurado:
pode se referir apenas a parte do período alegado
não precisa cobrir todos os meses da carência
serve para convalidar e dar suporte à prova testemunhal
Esse raciocínio tem uma lógica interna bastante consistente.
Se o documento é um indício, não faria sentido exigir que ele, sozinho, provasse toda a linha do tempo de trabalho rural. A lei e a jurisprudência admitem que a atividade rural pode ser comprovada de forma descontínua, desde que o conjunto probatório convença o juiz de que o segurado exerceu, de fato, trabalho no campo no período necessário.
O que é um “início razoável de prova material”?
Quando se fala em início razoável de prova material, a interpretação costuma ser dividida em três elementos principais:
Caráter indiciário
A prova documental não precisa esgotar todas as dúvidas. Ela indica uma direção e sugere que a pessoa realmente atua no meio rural.Razoabilidade no contexto
O documento deve ser compatível com a realidade do segurado. A qualificação profissional, o endereço, a localização da propriedade, tudo isso é avaliado em conjunto.Natureza material
Precisa ser um documento, e não apenas palavra falada. Pode ser certidão, cadastro, declaração, registro em cartório, entre outros.
O ponto central é que o valor do documento não é analisado isoladamente. O juiz considera a coerência entre documentos e depoimentos, avaliando se tudo converge para demonstrar o exercício de atividade rural em regime de economia familiar.
Exemplos de documentos que podem servir como início de prova
Na prática, muitos documentos considerados inicialmente “fracos” ganham força quando analisados em conjunto. Entre os exemplos mais comuns de início de prova material em casos de aposentadoria rural por idade, destacam-se:
certidão de casamento com indicação da profissão como lavrador ou agricultora
certidões de nascimento de filhos em que o genitor é qualificado como trabalhador rural
título de eleitor com domicílio em zona rural ou indicação de profissão ligada ao campo
certificado de reservista com qualificação como lavrador
comprovantes de pagamento de ITR, mesmo quando emitidos em nome de terceiro ligado ao grupo familiar
cadastros em programas rurais, sindicatos ou associações ligadas à agricultura
Um único documento, se for consistente e estiver alinhado com os depoimentos colhidos em audiência, pode ser suficiente como início de prova. Em outros casos, mais de um documento frágil, quando somados, tornam-se convincentes.
Papel decisivo da prova testemunhal
Embora o início de prova material seja obrigatório, a experiência mostra que, na aposentadoria rural por idade, a prova testemunhal tem papel central.
Os juízes costumam valorizar depoimentos que:
conhecem o segurado há muitos anos
confirmam o trabalho direto no campo
indicam o regime de economia familiar, sem empregados permanentes
descrevem a rotina de plantio, colheita, criação de animais ou outras atividades rurais
Nessa linha, a prova documental é considerada acessória, e os testemunhos confiáveis são vistos como a principal base para a reconstrução da história laboral do trabalhador rural.
A carência não precisa estar totalmente coberta por documentos
A legislação previdenciária admite a comprovação da atividade rural, inclusive de forma descontínua, e a jurisprudência reforça que:
não é necessário apresentar documento para cada ano da carência
basta que o início de prova material alcance parte do período
a prova testemunhal é responsável por ampliar a eficácia probatória do documento, cobrindo o restante do intervalo necessário
Por isso, negar o benefício apenas porque o segurado não possui documentos referentes a todos os anos da carência contraria a orientação consolidada nos tribunais.
O que isso significa para o trabalhador e para o advogado?
Para o segurado especial rural, essa interpretação:
diminui o risco de injustiça em razão da falta de formalização documental
reconhece a realidade social do campo e a dificuldade de emissão de registros em nome de todos os membros da família
permite que documentos antigos, ainda que esparsos, sejam usados como base válida, reforçados por testemunhos sólidos
Para o advogado previdenciário, a estratégia probatória passa por:
identificar qualquer documento que indique vínculo com o meio rural
valorizar certidões civis, cadastros e comprovantes relacionados à terra
preparar testemunhas que realmente conheçam a rotina do segurado
demonstrar ao juiz a coerência entre documentos e relatos orais
Essa combinação respeita a segurança jurídica, evita fraudes e, ao mesmo tempo, não transforma a exigência de documentos em barreira intransponível para o trabalhador rural.
